terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Castelhano

A Estância do Colorado

Numa tarde de outono de um veranico de maio, aponta na coxilha um homem, debruçado sobre o alpendre está o capataz, enquanto late a cachorrada ante a aproximação do forasteiro. Vem bem a cavalo a trote largo num baio ruano de cola atada a Cantagalo, bem se vê que vem de longe trás na garupa as malas de viagem e na voz um sotaque castelhano era um homem alto moreno rosto largo melenas longas e um farto bigode aparentava uns quarenta anos. Trajava botas com esporas com longas e pontudas rosetas bombahas com vinchas largas e chapéu grande desabado capa e poncho na garupa do baio.
- Buenos días patrón vengo de long la procura de trabajo.
- Apeie chegue pra diante disse o capataz observando mui atentos gestos do recém chegado. O capataz chamava-se Juvencio Gomes da Conceição um sujeito branco atarracado com uma cicatriz na testa, meio calvo barba e bigode ralo trajado a gaúcha com uma guaiaca couro de lontra e um trinta e oito HO reluzindo ao sol.
- Come te chama paisano
- Me chamo Hortencio Flores sou cria do Cerro Largo Província Del Uruguai, pero me chamam castelhano.
- Então Castelhano tem alguma referencia donde trabalhou, e que fazia.
- Si por suposto jô tengo trabajei em la Ronda , fica algumas léguas daqui,o proprietário era o Capitão Carneiro um velho amigo de la revolucion federalista como su patron, e que me deo mejores informes, por isto estoi a cá.
- Trabajo com domas e com la criacion, jo faço tambien esquilas, construcion de alambrado. O capitão caiu doente e teve que vender la propriedade.
A Estância do Colorado era centenária a maior do Rincão do Ibaté, a primeira sesmaria doada pela coroa na região serrana do Ibaté ao avô do Tenente-Coronel Ulisses Ribeiro do Canto este possuía mais de cento e cinqüenta milhões de terras entre campos e matos, local de rara beleza por seus campos e coxilhas verdejantes, as divisórias eram feitas por rios e penhascos não tendo sequer um metro de alambrado nas divisões das invernadas haviam taipas feita por escravos nos tempos de antanho, mais tarde usou-se a mão de obra barata contratada após a abolição da escravatura.
A Casa grande era toda de pedra mais parecia uma fortaleza, havia mais abaixo à atafona e a antiga senzala, agora reformada e onde se instalavam os peões em numero de trinta além dos trabalhadores braçais, ou moravam na casa ou eram agregados faziam, casebres em lugares estratégicos por ordem do proprietário plantavam caçavam e pescavam para subsistência sem nenhum custo, o coronel dava até as sementes para esses moradores remanecentes dos quilombos.
- Então Castelhano na verdade precisamos de mais peões que saibam lidar com cavalos, o patrão é mui exigente, entretanto conhece o Capitão Carneiro eu aceito suas referências, aqui se lida bastante pagamos bem, porém qualquer desavença com algum peão da estância será punida com rigor se vos mercê aceita as condições pode ir ao galpão que o Juá lhe arrumará um cômodo para dormir.
-Amanhã chega o patrão irá a ter contigo.
- Jô aceito mutio gusto gracias. Disse o paisano.
O Capataz chamou Juá um Negrinho alarife filho do velho Tomás para mostrar ao paisano as estalagens e conhecer os peões, no galpão também ficava próximo da casa lá ficavam as cavalariças, os arreames, e as tarimbas, onde os peões esticavam-se nos pelegos,tirando uma soneca enquanto baixava a bóia.
A mangueira de taipa feita no tempo do Império por escravos do avô
do coronel, tinha um palanque de angico bem no centro para se atar os
animais que iam ser domados as porteiras eram de varas grossas postas
feito chiqueiro. Também ali carneavam – se as reses para o sustento do
povo da fazenda era certo que se carneava uma rês a cada semana, sem contar as ovelhas estas eram diárias por vezes mais que uma.
A Estância mantinha-se da venda de animais cavalares e muares o coronel era criador de mulas na sede estância possuía não mais que mil cabeças de gado e aproximadamente duas mil ovelhas.
Em outras invernadas possuía gado em grande quantidade lá ficavam
Meia dúzia de peões que cuidavam do gado e de manada de cavalos xucros, enfrentando naquelas costeiras do rio do Tigre animais ferozes
numa luta desigual marcando e curando animais alçados tropeando para
propriedade as vacas de cria e reunindo animais para a doma.
Lá os peões tinham um galpão e cozinha de chão para se aquecer nos rigorosos invernos, ‘o fogo nunca se apagava dia em noite aceso’ era mantido pelo negro Atanásio que era encarregado do rancho e de fazer a comida naqueles fundos, o coronel possuía um arsenal enterrado em lugar que só ele e Atanásio sabiam, eram armas remanecentes das duas revoluções que o coronel e seus comandados participaram.
Na casa grande o coronel mantinha criados, Vicença e Floripa as cozinheiras e a negrinha Rosa esta ficava na vila com as patroas os afiliados Timóteo e Mércio a casa era um brinco o Coronel passava a maior parte do tempo na estância na vila de Santa Terezinha dista mais ou menos três léguas de distancia lá moravam seus familiares Sinhá Maria Inácia,suas filhas Clara, Angélica e seu filho Fausto, neto do Coronel, este inda estava na escola.
Os peões os melhores da região já se sabia, estavam prontos para tudo desde as mais difíceis lides campeiras, ou a pegar em armas ao primeiro toque do clarim do antigo chefe maragato agora um sexagenário.
Destacava-se Venâncio uma espécie de faz tudo, junto com o capataz
eram os mais antigos peões do coronel tinha também o Tunico ruivo, este
era o charreteiro do coronel além de guarda costas e diziam alguns que era também o degolador, era um sujeito ruivo meio sardento estatura mediana chapéu grande de abas largas, usava um sobretudo preto por baixo mantinha dois revolveres colt, carregados um cinturão crivado de balas, exímio atirador.
Não tinha família dizem que tinha vindo do Livramento, era cruza de uma galega vinda dos Açores com um parente do coronel um legitimo cão de guarda, estava sempre ao lado do patrão onde quer que fosse, um bom observador de pouca conversa era mui atento aos acontecimentos para isso era bem pago.
Nem bem se arranchou o paisano, o capataz mandou chamar Venâncio:
- Venâncio pegue o gateado pé de valsa no potreiro e traga bota no palanque pra ser domado.
Pouco tempo depois chegou o Venâncio com o cavalo puchado.
- Bota no palanque o aporreado diz pro castelhano montar e solta as varas da mangueira.
O paisano vinha calmo tirou o chapéu da cabeça pendurou na copa dum palanque pegou o lenço do pescoço e atou na testa como num ritual
Ajeitou as clinas do pingo e montou inda o pingo palanqueado testou as chilenas com uma mão nas clinas outra no mango enrigeceu a musculatura e gritou:
- Solta e me voy
O gateado era um ventana deu um salto pra frente e saiu corcoveando escarceando dando panaço e o paisano dêle espora garrado
Tal qual carrapato, enveredaram pra porteira e se foram, o pingo a corcovear campo a fora e paisano firme no lombo, sentando a espora na barriga e na virilha e sentava o mango na tala do pescoço.
Era lindo de se ver um querendo tirar outro querendo ficar no lombo, a peonada da estância conversava mui alegre elogiando o domador então o capataz gritou:
- Tá aprovado pode trazer o pingo gateado é mais um pra ensilha.
Ali naquela estância o teste pra indiada era duro e se não desse no couro era dispensado do serviço no mesmo dia.
A Noite caiu com ela a peonada foi se recolhendo era hora do gaúcho creu ficar com seus pensamentos rezar quem era de reza sonhar quem era de sonho e dormir quem não tinha insônia. O castelhano não dormiria
Algum cochilo na madrugada que passava na mente daquele vivente, seria remorso de que...
Na manhã seguinte ao clarear do dia a peonada da fazenda já fazia as
atividades rotineiras, uns havia alguns dias faziam a ronda na invernada velha, outros treinavam a tropa de mulas que ira ser vendida por aqueles dias a o tropeiro Manoel Honório famoso tropeiro das bandas de Cruz Alta. O Coronel chegou logo em seguida em sua Charrete moderna toda coberta por uma espécie de tecido preto puxada por um parelheiro de boa marcha, vinha nas rédeas o Tunico ruivo mais sério do que padre em dia de velório, o coronel apeou e ter com o capataz enquanto o ruivo cuidava da condução.
- Que novas por aqui Juvêncio já soube lá na cidade que contratou um paisano que fora peão do Carneiro lá da ronda.
- é verdade patrão é bem recomendado e bom de doma já testei o vivente
naquele gateado maleva que quase matou o Chico Troncho, o pingo ta domado é só dar mais uns galopes e botá na lida.
- Hum bem, bem e o restou tudo em ordem
- Tudo certo patrão tens uns peões fazendo a ronda outros cuidando da
mulada do Honório que deve chegar por esses dias.
Pondo - se então a conversar sobre os assuntos da estância os dois homens mateavam no galpão observando a mulinha mamando na égua que a pouco dera cria.
- Me chama o como é mesmo seu nome do peão Juvêncio, eu quero ter uma prosa - disse o coronel.
- é Hortêncio Flores porém todos o chamam “castelhano”, logo estará por
aqui andei apartar um boi para carnear. Pouco tempo depois vinha o paisano com o chapéu na mão disse adeus ao coronel que o mandou sentar em um banco ao seu lado dizendo:
- Bem Hortêncio como tu sabes tenho uma porção de peões de minha
inteira confiança, a maioria trabalha comigo a mais de vinte anos
alguns lutaram comigo outros são seus parentes e uns poucos como tu
trabalharam para correligionários e companheiros de revoluções, espero
contar contigo eu pago bem mas exijo respeito e lealdade. Quanto a sua
pessoa gostaria de saber sua história pode começar.
- Patrón jô gostaria que también mi chamasse castelhano como los otros
gracias.
- muito bem castelhano que seja assim, pode continuar disse o coronel
entregando a cuia de mate ao paisano.
O paisano inicio sua narrativa contando que seu Miguel Flores trabalhava para Don Chico Saraiva, pai do General Maragato Gumercindo
Saraiva e Aparício Saraiva, na região do Cerro Largo no Uruguai as sucessivas brigas entre Blancos e Colorados haviam moldado aqueles peões e os Saraiva tornando – os exímios combatentes e seus pai e seus
Irmãos eram fiéis seguidores desses caudilhos da pampa, já por de oitenta e cinco lutaram com os “trinta Y três orientais“, depois na fracassada revolução de “Quebracho”, aí Gumercindo veio morar no Brasil trazendo com ele Miguel Flores e sua família incluindo o castelhano
gurizote ainda para morar em uma fazenda de seu pai em Curral dos Arroios, no município de Santa Vitória do Palmar, um belo dia contou o castelhano o Dr Assis Brasil foi a Estância de Curral dos Arroios convidar
o General Gumercindo para pertencer ao partido Republicano, qual a resposta de Gumercindo “mi credo es la revolución. A ello no renuncio”.,encerrando a reunião.
-jô estava lá patron . E continuou o relato.
- Mais tarde tentaram eliminar o General imputando-lhe crime quando da morte e um negro velho muito estimado que morava na fazenda o que não é verdade pois Jô estava lá, El General mandou enterrar o negro próximo a casa lembro bem. Foi preso o General, Dona Amélia sua esposa mandou reunir a peonada e agregados deu duzentos homens para tira - lo da cadeia,porém Gumercindo mandou que ela permanecesse com os homens em prontidão acabou fugindo com uma chave falsa feita pelo Duque de Auche, neste meio termo Aparício Saraiva e seus irmãos que moravam no Cerro Largo muitos brasileiros lá residentes e veio para tirar seu irmão da cadeia, Jô agora com quatorze anios me juntei aos cem homens vindos do Uruguai com Aparício.
O General Joca Tavares e Silveira Martins junto com o General iniciaram a revolução federalista portanto desde Cerro Largo meus familiares lutaram junto aos federalistas com Gumercindo com chefe, o resto o coronel já sabe pois estava lá.
Bem, bem e quanto a Latorre o degolador soube pelo capitão Carneiro
que havia gente do Cerro largo e inclusive um Flores não seria vós mecê.
Na verdade um primo meu o Flores foi companheiro de Latorre e contava que era um homem honesto trabalharam juntos na Estância do General Silva Tavares no Uruguai então não era eu mas Flores contava
Que no episódio das trezentas degolas na verdade foram vinte e sete, bandidos executados pela investidura legal de Castilhos.
- Muito bem continue o relato dizia o coronel palmeando agora um baio.
- Entonces ninguém conta a história da divisão norte do cruel Firmino de
Paula autor da degola do Capão do boi preto, ninguém conta que esse era um homem impiedoso e vingativo.
- Bom, bom continue o relato se atenha a sua história disse o coronel-
Na revolucion jô pertencia à cavalaria do Coronel Aparício peleamos em
muitas batalhas, matamos muita gente, mas não degolei a ninguém o coronel não era afeito a degolas matar em “A LA CARGA” isto fizemos muito naquela guerra.
- Pero jô tengo remuersos de otras cosas, lutamos em outros estados tempos de sofrimento, fome, frio e por vezes sede, muitos ferimentos milhares de feridos então quando da volta do Paraná ao atravessarmos o rio Pelotas para o Rio Grande depois de muitos penhascos e corredeiras enterramos em uns matos armas pesadas antes de enfrentar a maior batalha campal desta revolução aproximadamente sete mil homens. O certo é que ao chegar próximo a Passo Fundo. A divisão norte formada por quatro mil homens, do famigerado General Firmino de Paula,e o General Rodrigues Lima o Coronel Santos Filho aquele que fugou com a ajuda de um traidor
haviam formado os famosos quadrados em torno de atoleiros e
banhados aguardando nossa tropa.
O General Gumercindo mandou nossa cavalaria chefiada pelo Coronel
Aparício fazer carga, mas não conseguimos furar o bloqueio devido o atoleiro ali existente peleamos por cinco horas ou mais na ultima carga cai
prisioneiro junto com mais ou menos dez companheiros, alguns dos nossos foram degolados ali mesmo, outros como eu tiveram melhor sorte
ficamos prisioneiros na tropa de Bento Porto. Soubemos mais tarde que o
General Gumercindo se retirara protegido pela cavalaria do Coronel Timóteo Paim e que ao contar os mortos nossa força perdeu noventa homens e ficaram feridos mais de cento e cinqüenta, quanto a divisão norte trezentos e oitenta mortos e outro tanto de feridos. Dali o General
Tomou o rumo de Cruz Alta, nós agora prisioneiros estávamos a mercê
de Bento Porto para azar meu rumava para aquele fatídico destino.
-Pois é disse o Coronel agora eu te conto que aconteceu castelhano
- Foi no mês de agosto a retaguarda do General é feita por Prestes Guimarães tem novecentos homens, ali rumo Cruz Alta já nossa retaguarda maragata entra em combate com a vanguarda governista de Fabrício Pilar,o General Gumercindo Saraiva havia agora com a junção das forças do Coronel Dinarte Dornelles, ficando com o efetivo de quatro mil homens.
Sim foi assim mesmo patron, Fabrício Pilar vinha mal na luta com o Coronel Dornelles, o General Gumercindo sobe a um pequeno morro para ver o combate mais de perto já que a luta não era sua, porém o Coronel Aparício vai ter com o irmão ele sempre brincou com a morte pediu ao general para fazer uma carga de lança contra Pilar, o General consente e fica sob a colina a observar a batalha.
Nessa altura o Tenente – Coronel Bento Porto trazendo alguns prisioneiros, se apóia num capão de mato e age de emboscada com atiradores de escol.
O General não precisava estar ali era quase noite era ariscado alguma emboscada estava ele trajado como um combatente sem pompas, usando uniforme de campanha, com chapéu de abas largas bombachas e apenas uma simples jaqueta azul ninguém o reconheceria
Era um simples guerreiro um paisano como eu....
Então patrão disse o paisano com a voz embargada , ali agachado olhando o combate de mãos atadas olhei aquele cavaleiro. - Jô, reconheci mi general por quem sempre nutri grande admiracion.
-E gritei El General, El General duas vezes la pior palavra de mi vida.
Bento Porto alguém avisou e ele gritou:
Atenção; mirem, e atirem de Pontaria ,atirem de pontaria é Gumercindo, é Gumercindo!
Aquelas balas certeiras poderiam ser pra mim patron.
Depois foi aquela confusão ninguém sabia se o General tava morto mas eu sabia enquanto soldados comemoravam, matei um soldado enforcado
e ganhei a noite aquele foi minha ultima participación em la guerra. Dali
parti para o Uruguai passei dez anos de minha vida com insônia a perambular à noite remoendo aquela fatalidade, nunca contei a ninguém
-Patron e gostaria muito que ficasse entre nós.
-Sossegue castelhano não tiveste culpa foi o destino aquele destino
ingrato que ninguém poupa, agora pegue seu cavalo e vá trabalhar.
-Gracias patron.
E lá se foi o castelhano agora um peão de estância e domador afamado
Para as lidas brutas da Estância do Colorado.


Fim do Primeiro conto


















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